terça-feira, 30 de junho de 2009

vestígios da imagem




Descubro um vaguear táctil no veludo do muro,
a memória, um rastro dos restos de vida,
um visgo que aviva o velho musgo,
verde lembrança, que desmorona em ânsia contida.

Dissolvo a parede como que coleia o caracol,
rastejante vulto, vago em relevo,
a lesma e suas idéias na concha em espiral,
contornando a leguminosa paisagem, com sebo.

Na quina, o tegume rósea do azulejo
cintilando na vespertina hora, exata,
em que o vidro prisma a luz com gracejo.

Rútila imagem tapume irisada,
a gramínea perdida na matiz do pensamento,
onde a revivescente aurora dormes embriagada.

sábado, 27 de junho de 2009

cúmulos nimbos


DA TRAGÉDIA E DOS DESTROÇOS

Cúmulos nimbos no assoalho do céu
sugando aviões da rota Rio-Paris,
tumultuando o atlântico à deriva no cais,
mais acumulos de destroços na caixa preta de papel.

Gigante peixe de aço perfurando nuvens,
esquivando-se dos não identificados feixes de luz.
Será dobrar o espaço encurtar o trajeto, dos
que cambaleiam perscrutando o desperdício na paisagem?

Místico supersticioso, tonto de acasos e números,
combinando análises entre pedras e búzios.
Músicas do atrito no vento das chamas de Ícaro
num abismo quase queda, perdidas plumas plúmbeas.

em vão os caçadores de OVNIs e fantasmas
com suas inúteis provas de mero feitiço,
querendo esclarecer a tragédia nos destroços
catando cacos nos cantos que antes não eram vistos.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Amar(é)rado


APEGO


Amarraste o laço da vida entre os dedos
como quem pendura o arado na rosa,
e fez arder-te a lâmina em segredo,
e afiar a noite amaciando as horas.

Como quem cavaste os céus na terra,
penetras secreta em locas de rio
a perder-se trêmula na esfera,
onde bem vegetas, no cio.

Os seios, de vez goiabas.
Aréolas, talvez amoras.
Será que o sumo do fruto existe?


As unhas azuis arranhando as vestes.

Os beiços bordando arabescos.
Será carmin a cor das bordas?

Os dedos veludos, novelos.
Nas mãos, maçãs tocando violinos.
Serão luvas na pele mordiscando a carne?




segunda-feira, 15 de junho de 2009

RASO OLHAR DE CANOA





Flutuante tábua de peito no rio,
a escorrer na líquida superfície,

e mover-se alavancada por membros em remo,
como que impelida por um assobio.

Simbila ao vento, num vaguear ermo,
feito ave no assoalho espelho do céu,
a tocar as nuvens, como se na água aterrisse,
e deslize à procura de peixes, sob o aquático dossel.

Arrojar tarrafas, marcando a lâmina em relevo,
com a circunda rede, numa viscosa captura,
funesta pesca de cardumes, quando dá época piracema.
Um fastio de tilápias, surubins, piabas e mandis.

O timoneiro oculta-se da rota, esguio feito acará-bandeira,
e a fatigada madeira escora-se à sombra da ribanceira.

(Telmo)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

às vísceras de Lacan.


HIATUS IRRATIONALIS

Vísceras, escorram em vós o suor ou a seiva,
Formas, que nascidas sejam da forja ou do sangue,
vossa torrente não é mais densa que meu sonho;
E, se não os oprimo com um desejo incessante,
atravesso vossa água, desabo na areia,
onde me atrai o peso do meu demônio pensante.
Só, ele toca o duro chão onde o ser se eleva,
ao mal cego e surdo, ao deus privado de sentido.
Mas, assim que perece todo verbo na minha garganta,
Vísceras, que nascidas sejam do sangue ou da forja,
Natureza, eu me perco no fluxo de um elemento:
Este que aninha em mim, o mesmo vos subleva,
Formas, que escorram em vós o suor ou a seiva,
é o fogo que me faz vosso imortal amante.
(Jacques Lacan-1929) com ajustes na tradução

em fim! mergulho nos pergaminhos digitais!


Que o lodo da marmórea palavra borrifes
nos vasos e nas rosas quimeras
das janelas de junho, entre abertas.
E derrubem os muros e os tapumes da fala!
os trajes e o escamoteio das vestes!
Pois, erguerei em suspenso profanos versos,
dissipados no ar feito raspas
das idéias de madeira
talhadas pelo escultor.

Telmo Belizário Galvão, saúdo os polvos na roda gigante!